ITTC Analisa: Infopen Mulheres 2016 e maternidade

[vc_row][vc_column][vc_column_text]Quando o assunto é aprisionamento feminino, a maternidade é um dos temas centrais. A 2ª edição do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen Mulheres, publicada em maio de 2018, buscou abordar a temática no intuito de fornecer dados que contribuam para a garantia dos direitos básicos de mulheres presas. Porém, como o próprio relatório aponta, muitas dificuldades marcaram esse esforço. Neste segundo artigo da série “ITTC analisa: Infopen Mulheres 2016”, a equipe multidisciplinar de pesquisadoras do ITTC realizou uma análise dos dados desse Infopen relativos à maternidade, procurando reforçar a importância de se traçar um panorama adequado sobre essa realidade para a produção de políticas públicas e a garantia de direitos no contexto prisional.

Confira o primeiro artigo da série aqui.

O Infopen abordou o exercício materno no ambiente carcerário dando destaque à estrutura física das unidades. Segundo os dados, apenas: 50% das gestantes e lactantes estão em unidades adaptadas; 16% das unidades possuem celas adequadas à condição de gestante e/ou lactante; 14% possuem berçários e/ou espaços destinados a bebês com até 2 anos de idade; 3% possuem creches para crianças acima de 2 anos.

O ITTC entende que por si só o cárcere não é lugar adequado para a prática materna, incentivando fortemente o uso de alternativas penais e o uso mínimo da resposta encarceradora. Mas, enquanto a maternidade for uma realidade em unidades femininas, é imprescindível fornecer condições e infraestruturas necessárias às especificidades de mães e filhos para que eles não sejam alvos de violações sistemáticas de direitos humanos.

Para entender a importância de se pensar a questão materna nesse contexto, os dados coletados pelo Infopen mostram que 74% das mulheres privadas de liberdade têm filhos e/ou filhas, enquanto 53% dos homens em igual condição, no mesmo período, declararam não ter nenhum(a). O problema, entretanto, é que essa informação se refere a apenas 7% (2.689 pessoas) do total de mulheres aprisionadas em todo território nacional. De acordo com o próprio relatório, a baixa representatividade da amostra coletada torna inviável qualquer conclusão acerca da totalidade da população prisional feminina no Brasil.

Apesar de sua fragilidade, esse dado encontra certa ressonância em pesquisas realizadas anteriormente pelo ITTC. No Tecer Justiça, pesquisa desenvolvida junto à Pastoral Carcerária Nacional em parceria com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, entre junho de 2010 e dezembro de 2011, em dois grandes estabelecimentos prisionais da capital de São Paulo – um masculino e outro feminino –, verificou-se que 80% das mulheres tinham filhos e/ou filhas, enquanto 47,9% dos homens não tinham nenhum(a). O projeto revelou, ainda, que dos homens declarantes pais, 75,6% têm um filho(a) ou dois e 72,9% não moram com eles. Já no caso das declarantes mães, 57,8% têm um filho(a) ou dois e 63,6% moram com elas – ou seja, a coabitação aumenta mais de duas vezes em relação aos homens que são pais.

Essa realidade coabitacional é reforçada pelo relatório MulhereSemPrisão, lançado em 2017, que evidencia o fato de as mulheres comumente exercerem o papel de chefes de família, sendo as principais cuidadoras de filhos e filhas e, por vezes, de pais, irmãos, sobrinhos e netos. Segundo o relatório, o fato de elas serem as principais responsáveis pelos cuidados da família faz com que a prisão desestruture o orçamento familiar e também a vida de todas e todos que dependam delas, o que é ainda mais grave para as crianças.

Mas não é apenas isso. O trabalho do ITTC junto a essas mulheres nas últimas duas décadas aponta que o exercício da maternidade tem feito parte do dispositivo de controle e punição de prisões femininas. Os rompimentos dos vínculos com os filhos e as filhas são fator de dupla penalização: as mães são julgadas por infringirem a lei, assim como por não cumprirem os ideais maternos.

O silenciamento em torno da relação materna produz uma invisibilização da realidade social na qual essas mulheres estão inseridas e fragiliza ainda mais um ciclo já vulnerável dentro e fora das prisões, que abrange toda a sua família. Nesse sentido, mais do que sanar fragilidades dos dados do Infopen, as pesquisas do ITTC evidenciam a necessidade de se investigar com maior rigor e minúcia o tema da maternidade. Apresentar informações acerca da existência, da idade e da condição dos filhos e filhas (e também de outras pessoas dependentes) é fundamental para um diagnóstico palpável e atual, objetivando a incidência política e a garantia de direitos dessas mulheres.

Além das informações sobre a existência dos filhos, é essencial que o Infopen seja publicado mais próximo do ano de levantamento de seus dados. Considerando que as informações do relatório lançado em 2018 referem-se ao ano de 2016, a distância entre a coleta e a publicação dos dados pode inviabilizar o seu melhor aproveitamento no que diz respeito à imediata aplicação de leis. A exemplo do Marco Legal da Primeira Infância, de 2016, hoje não é possível quantificar o número de mulheres que teriam direito imediato à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de conceder Habeas Corpus a todas as mulheres que se enquadram nos critérios da lei, valendo-se do Infopen lançado em 2018.

Mas não por isso deve-se desconsiderar o potencial do Infopen Mulheres na aplicação de leis que garantam o direito dessas mulheres ao exercício da maternidade, como Marco da Primeira Infância e de outras. Pensando nisso, o ITTC elencou uma série de questões que podem ser incluídas em sua próxima edição. São elas, quantas: 1) mulheres são responsáveis por filhos, filhas e outros parentes; 2) possuem crianças de até 12 anos ou deficientes; 3) são impedidas do aleitamento materno exclusivo; 4) tiveram que deixar seus filhos e/ou filhas em albergues por não ter quem cuidasse deles, ou, ainda, 5) quem passa a cuidar de seus filhos e filhas quando são presas; 6) conseguem reencontrar seus filhos e filhas após o cumprimento de pena de prisão, e 7) sofreram perda do poder familiar, apurando a ocorrência da interdição da maternidade por conta do encarceramento; 8) quantos pedidos de prisão domiciliar são realizados e quantos são concedidos.

Ainda que as pesquisas do ITTC já reconheçam as consequências do cárcere na vida das mulheres e das suas famílias, essas informações acima são essenciais para a garantia dos seus direitos, principalmente por meio do trabalho de advocacy. Comum panorama efetivamente representativo dessa população, será possível orientar políticas públicas e ações judiciais, levando em conta, por um lado, a realidade delas e, por outro, os dispositivos jurídicos que garantem seus direitos, dentro e fora do cárcere.

 

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ITTC Explica: Alternativas Penais[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

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jul 31, 2018 | Artigos, Noticias | 0 Comentários

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