ITTC Explica: O que pode ser feito para diminuir o encarceramento feminino?

O que pode se

Foto: Padre Valdir João Silveira

O primeiro passo para reduzir o encarceramento feminino é garantir que as normas que tratam especificamente desse tema sejam aplicadas. Há duas principais: as Regras da Bangkok, do âmbito da ONU, e o Marco Legal de Atenção à Primeira Infância (Lei nº. 13.257 de 2016), que trouxe mudanças importantes no Código de Processo Penal.

Em relação às Regras de Bangkok, a grande contribuição que elas trazem para a redução do encarceramento de mulheres é a previsão de que, em virtude do histórico de vitimização das mulheres e da sua condição de principal responsável por cuidar da família, os Estados devem garantir a aplicação de alternativas ao encarceramento. Já o Marco Legal da Primeira Infância ajuda a dar concretude a essa recomendação no âmbito de prisão provisória, quando dispõe que gestantes, mulheres com filhos de até 12 anos ou que sejam imprescindíveis para o cuidado de pessoa com deficiência podem ter a prisão preventiva substituída por prisão domiciliar.

O desencarceramento de mulheres, no entanto, não se promove só na redução do uso da prisão provisória, isto é, da prisão que ocorre antes do trânsito em julgado da sentença. É preciso garantir também que a previsão das Regras de Bangkok de que as medidas não privativas de liberdade devem ser priorizadas sejam efetivas também no caso das mulheres processadas e condenadas. No início do processo, isso pode ser feito pelo Ministério Público e por juízes e juízas aplicando as previsões legais que já existem e permitem deixar de processar ou ainda absolver mulheres que cometem, por exemplo, furtos de itens de pequeno valor ou movidas por um estado de necessidade. A pesquisa Mulheres Sem Prisão, que será lançada em breve pelo ITTC, identificou que na população estudada o furto era o segundo crime mais frequente e que, em muitos casos, os itens subtraídos eram de primeira necessidade, como comida, vestuário e itens para bebês ou crianças.

Caso haja condenação, outra medida importante para reduzir o encarceramento de mulheres é a substituição da pena de prisão por uma pena restritiva de direitos, como a prestação de serviço comunitário. Essa substituição pode ser feita sempre que a pena não passa de 4 anos e o crime foi cometido sem violência, como ocorre com a imensa maioria das mulheres acusadas. Já na execução da pena, é fundamental uma atuação ativa da defesa, de modo a assegurar que outros direitos previstos em lei – como a progressão de regime, o livramento condicional e o indulto – sejam aplicados para as mulheres.

No entanto, é preciso ponderar que dificilmente essas medidas serão aplicadas com sucesso caso os atores do sistema de justiça não estejam atentos às especificidades de gêneros. Assim, o segundo passo para reduzir o encarceramento de mulheres está em garantir que desde o delegado ou delegada de polícia, passando por Ministério Público, Magistratura e defesa incorporem a narrativa da própria mulher presa sobre o seu caso – sempre que ela quiser falar – e registrem nas peças processuais os dados sobre maternidade ou gestação, responsabilidade pelo cuidado de outros dependentes, situação de saúde, trabalho e histórico de violência. Essas informações, porém, não são meramente contextuais: elas podem e devem ser usadas para fundamentar posicionamentos jurídicos favoráveis às medidas desencarceradoras.

Por fim, como as Regras de Bangkok indicam, a redução do encarceramento feminino passa pela despenalização de condutas. Nessa linha, considerando que cerca de 64% das mulheres que estão presas no Brasil foram acusadas de delitos relacionados a drogas, é fundamental que a política de drogas seja revista, no sentido de reverter o seu viés fortemente criminalizador de mulheres negras e pobres.

Para saber mais como é possível reduzir o encarceramento de mulheres, considerando experiências exitosas em outros países, não deixe de acessar o documento de Orientações para uma Política de Desencarceramento de Mulheres, publicado neste ano no hotsite MulhereSemPrisão.

Leia também:

ITTC Explica: Qual a relação entre prisão albergue domiciliar e o desencarceramento de mulheres?

ITTC Explica: As mulheres presas usam miolo de pão como absorvente?

* Esse texto faz parte da série ITTC Explica, que busca explicar conceitos e esclarecer dúvidas relacionadas aos temas trabalhados pelo ITTC. O tema do próximo artigo da série é “O que acontece com a pessoa migrante depois que ela cumpre pena no Brasil?”

 

Compartilhe

nov 7, 2016 | Artigos | 0 Comentários

Posts relacionados

ITTC - Instituto Terra, Trabalho e Cidadania
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.