O que o seu candidato ao governo de SP pensa sobre segurança pública?

Dando continuidade às análises do ITTC sobre as eleições de 2018, estudamos os planos de governo dos candidatos de segundo turno ao governo de São Paulo, João Doria (PSDB) e Márcio França (PSB). No primeiro artigo abordamos as propostas em relação aos direitos humanos, e agora é a vez do eixo da segurança pública.

Como outros estados do país, São Paulo possui um grave problema de segurança pública, bem como uma alta taxa de aprisionamento. Aqui, concentram-se 33,1% de toda a população prisional do país, com cerca de 240 mil presos. Desse modo, é urgente pensar em políticas públicas capazes de mudar o atual quadro, aliando o combate à violência ao respeito aos direitos do cidadão e a preservação dos direitos humanos de minorias e populações historicamente vulneráveis.

Em seu programa, Márcio França traz uma breve reflexão sobre as causas da violência antes de tratar das questões de segurança. No texto registrado no TSE, a chapa afirma que as causas da violência perpassam questões sociais, como desemprego e concentração de renda, entre outros fatores. Ao mesmo tempo, o programa afirma que ela seria incentivada por uma “impunidade, corrupção policial e pela crise do sistema penitenciário”. Se por um lado o discurso que associa o alastramento da criminalidade à uma suposta falta de punição já se demonstrou falso – a última década foi marcada pelo encarceramento em massa, e a violência continua em alta – o ITTC acredita que é necessário se atentar para a crise do sistema prisional e para revisão da ação policial: o sistema é precário, superlotado, e responsável por aumentar a marginalização das populações comumente selecionadas pelo sistema penal. A polícia militar, por sua vez, possui notório histórico de violações de direitos humanos, sendo conhecida por ser uma das que mais mata no mundo.

O programa, contudo, apresenta poucas ações efetivas para estas duas últimas questões. Em relação a ação policial, restringe-se à valorização da carreira de policiais e agentes penitenciários, e combate à corrupção por meio de mecanismos de controle interno – sem detalhar exatamente como se daria essa melhoria nas corregedorias. Destaca-se positivamente a proposição de um convênio com universidades para que policiais tenham formações sobre estudos de violência e criminalidade.

Dentro do eixo de segurança há duas propostas que o ITTC considera de extrema importância, por oferecem um olhar para violência com atenção especial para questões de gênero e violência contra mulher: rondas Maria da Penha, de combate a violência doméstica, e ampliação das delegacias de defesa da mulher “com atendimento humanitário.” O programa também propõe investimentos em inteligência, tecnologia (uso de câmeras e banco de dados), ações coordenadas entre todas as esferas de governo, estreitando principalmente ações conjuntas com municípios, e maior integração maior entre polícia civil e militar.

Em relação ao sistema prisional, há a proposta de construção de presídios específicos para cumprimento de penas no regime semiaberto. Nesse setor, também destaca-se outra proposta, que tem potencial de ampliar o problema da superlotação e da violação de direitos da população carcerária: a criação de mais centros de detenção provisória. Essas medidas representam uma continuidade ao alarmante processo de encarceramento provisório daqueles que são acusados de cometer crimes não violentos. Por outro lado, há também a ampliação de “programa de inserção dos detentos no mercado de trabalho”, uma medida que pode auxiliar aqueles que já passaram pelo sistema, e que são estigmatizados e discriminados. 

Na parte dedicada à assistência social, destaca-se uma importante medida que se relaciona diretamente com a garantia de direitos: a ampliação do atendimento da Defensoria Pública para a assistência judiciária gratuita. O fortalecimento da Defensoria é, na visão do ITTC, essencial para fortalecer o acesso à justiça e a defesa do cidadão em contato com o sistema penal. Neste mesmo trecho, o programa também inclui egressos do sistema prisional como uma das populações que deve receber atenção do Estado para superar sua condição de vulnerabilidade social.

João Doria, por sua vez, inicia suas propostas para Segurança Pública exaltando a redução da taxa de homicídios (índices de mortes por 100 mil habitantes) em São Paulo ao longo das últimas décadas, e a criação do modelo penitenciário de Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Propõe “repetir o sucesso obtido na redução dos homicídios e sequestros no combate ao crime organizado, principalmente ao tráfico de drogas e armas, aumentando a integração operacional, através de compartilhamento de banco de dados e de sistemas”.

O programa negligencia alguns pontos importantes. O primeiro é o de não indicar a metodologia ou fonte utilizadas para explicar os números contabilizados de homicídios sem discorrer sobre a letalidade policial do estado, considerada a maior em números absolutos pelo Atlas da Violência. Apesar dos números extremamente preocupantes, o candidato anunciou recentemente que a partir de janeiro, a polícia vai atirar para matar.

Diz ainda que enfrentará os crimes contra a mulher e a dignidade sexual, fazendo com que as as Delegacias da Mulher apresentem maior efetividade nas medidas protetivas. Não apresenta diretrizes, porém, de como esse enfrentamento se dará, e ao colocá-lo apenas no eixo de Segurança Pública aponta para a desconsideração de outros instrumentos de combate à violência de gênero que não aqueles restritos à esfera da Justiça criminal.

Em seguida, o programa se debruça sobre a atuação das Guardas Municipais. É importante lembrar que durante a sua gestão como prefeito, essas guardas tiveram uma redução expressiva de suas ações comunitárias, aumentando a lógica policial no seio dessas corporações. Doria propõe ampliar esse modelo de atuação das guardas em todo o Estado, levando para outras cidades a política que expandiu enquanto prefeito.

A proposta potencializaria a solução de conflitos por vias judiciais e pode acabar inflando ainda mais o já superlotado sistema carcerário. Em 2017, o ITTC publicou a Agenda Municipal  com o apoio da Rede Justiça Criminal. O material é uma série de medidas de atuação propostas ao poder público, para que pessoas submetidas à justiça criminal também sejam entendidas como sujeitos de direitos. A agenda busca inverter a lógica repressiva que tem pautado as políticas públicas municipais direcionadas às pessoas submetidas à justiça criminal, que só tem reforçado a desigualdade social e a piora da qualidade de vida nas cidades.

O tucano propõe aumentar o número de vagas do sistema carcerário, adotando inclusive o modelo de parcerias público-privadas (PPPs), para que o “o detento/reeducando trabalhe para permitir a sua reinserção na sociedade e diminuir a reincidência”. Durante campanha em São José dos Campos, Doria citou como exemplo a ser seguido o presídio de Ribeirão das Neves (MG). Funcionando desde 2015, o presídio é administrado pela GPA (Gestores Prisionais Associados), que recebe mensalmente do Estado o valor médio de R$ 3,5 mil por detento. Os presídios mineiros administrados pelo governo do estado, por sua vez, computam um gasto médio mensal de R$ 2,7 mil por detento, como demonstra matéria da Ponte Jornalismo.

Além disso, importante ressaltar que a política de privatização penitenciária contraria as “Regras de Mandela”, documento da ONU que recomenda aos governos que: “(…) os funcionários devem ser indicados para trabalho em período integral como agentes prisionais profissionais e a condição de servidor público, com estabilidade no emprego, sujeito apenas à boa conduta, eficiência e aptidão física”.

Por fim, ainda no eixo da Segurança Pública, apesar de não constar em seu plano de governo, João Doria se declara publicamente a favor da redução da maioridade penal, dizendo que trabalhará junto a sua bancada para que seja aprovada.  Tema sensível aos direitos humanos, o posicionamento contrário à redução não implica em uma não responsabilização dos jovens por seus atos – o que já acontece através dos dispositivos do ECA, inclusive com medidas de privação de liberdade. Mas sim propõe pensarmos sobre qual abordagem é a melhor, uma educativa ou uma essencialmente punitiva [leia aqui nota técnica sobre proposta de redução da maioridade penal].

 

Há duas campanhas realizadas por parceiros do ITTC para quem quer questionar seus candidatos ao governo estadual em relação a questões de justiça criminal e segurança pública. Não deixe de acessar:

Eleições Sem Truque: envie perguntas sobre segurança pública aos candidatos para governo federal https://redejusticacriminal.org/eleicoessemtruque/

Menos Prisões: questione seus candidatos  www.menosprisoes.org

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out 22, 2018 | Artigos, Noticias | 0 Comentários

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