#MulhereSemPrisao: Audiências de custódia

Este texto inaugura uma série de artigos dedicados ao detalhamento de resultados obtidos durante a pesquisa Mulheres Sem Prisão: enfrentando a invisibilidade das mulheres submetidas à justiça criminal, que tem como norte a pergunta: “em que medida a audiência de custódia é um procedimento que contribui para o desencarceramento e garantia dos direitos das mulheres?”.

A pesquisa dá continuidade ao projeto MulhereSemPrisão, que busca compreender quais dinâmicas do sistema de justiça criminal dificultam a aplicação de alternativas à prisão provisória para mulheres, além de aprofundar a compreensão sobre o aprisionamento e a realidade do encarceramento feminino. Nessa nova etapa, as pesquisadoras do Programa Justiça Sem Muros acompanharam, entre dezembro de 2017 e abril de 2018, audiências de custódia de mais de 200 mulheres nos fóruns criminais da capital de São Paulo e da comarca de Osasco.

Também foram realizadas entrevistas semiestruturadas com profissionais do direito que participam das audiências de custódia no estado de São Paulo, com o intuito de conhecer suas percepções sobre o fenômeno do encarceramento provisório de mulheres e os desafios do sistema de justiça criminal diante do problema.

O objetivo dessa pesquisa é, portanto, avaliar se a presença da mulher influencia na atuação dos atores do sistema de justiça no sentido de visualizar questões de gênero e, em caso positivo, como estas são instrumentalizadas, seja para garantir a liberdade, seja para decretar a prisão provisória.

Como texto inaugural da série, propomos uma reflexão sobre a fase procedimental da audiência de custódia. Que instrumento é esse? Qual é a sua finalidade? Como é seu funcionamento? Quem é responsável por sua execução? Como questões relacionadas ao gênero podem aparecer nesse momento?

O último Infopen mulheres revelou que o número de mulheres presas provisoriamente chega a 45% e que a população feminina aumentou 656% entre 2000 e 2016. Nesse contexto de encarceramento em massa, a audiência de custódia é um instrumento especialmente importante e cada vez mais necessário. Além de marcar um primeiro encontro com o juiz após a prisão em flagrante, é um momento importante para que questões específicas de gênero (como gravidez, número de filhos, responsabilidade pela geração da renda familiar) sejam mobilizadas pelos atores em custódia tanto para averiguação de eventuais abusos ocorridos durante a prisão quanto para assegurar a aplicação de medidas desencarceradoras.

Na audiência de custódia, a pessoa custodiada deve ser acompanhada pela defesa, seja ela representada por advogada ou advogado particular ou pela defensoria pública. A juíza ou o juiz, o Ministério Público e a defesa podem realizar perguntas relativas às circunstâncias da prisão em flagrante ou às condições pessoais da pessoa indiciada. Após as perguntas, o Ministério Público e a defesa realizam suas manifestações, podendo requerer a manutenção da prisão, seu relaxamento ou a liberdade provisória. Ao final, a juíza ou o juiz pode tomar as decisões expostas a seguir.

 

Relaxar a prisão em flagrante

O que implica em reconhecer que a prisão em flagrante ocorreu de forma ilegal, seja porque a situação em que a pessoa foi apreendida não era flagrante delito, ou porque o procedimento tem alguma irregularidade. Nesse caso, se não houver outras pendências judiciais que determinem sua prisão, a pessoa deve ser imediatamente colocada em liberdade.

Conceder liberdade provisória

Nessa hipótese, a pessoa acusada seguirá respondendo em liberdade ao processo pelo qual está sendo acusada.

A juíza ou o juiz também pode decidir aplicar ou não medidas cautelares alternativas à prisão, mas que restringem direitos da pessoa que está sendo investigada. Essas medidas estão previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal e alguns exemplos são: comparecimento periódico ao fórum, proibição de frequentar determinados locais, recolhimento domiciliar no período noturno, suspensão do exercício de função pública, internação provisória, fiança ou monitoração eletrônica. Importante destacar que a aplicação das medidas cautelares deve observar requisitos de adequação e proporcionalidade.

Converter o flagrante em prisão preventiva

Caso estejam presentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, como o risco concreto de que a pessoa não responda ao processo e não seja possível a aplicação de outras medidas cautelares diversas da prisão. A prisão preventiva significa que a pessoa acusada deverá aguardar presa em um Centro de Detenção Provisória durante as próximas etapas do seu julgamento. Isso não significa que ela já foi julgada pelo crime do qual está sendo acusada de cometer.

Nesse caso, o juiz pode decidir substituir o cumprimento da prisão preventiva pela prisão domiciliar, que consiste no recolhimento da pessoa indiciada ou acusada em sua residência, só podendo dela se ausentar com autorização judicial, caso ela seja:

  • maior de 80 anos;
  • extremamente debilitada por motivo de doença grave;
  • imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 anos de idade ou com deficiência;
  • gestante;
  • mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos;
  • homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 anos de idade incompletos.
Outros encaminhamentos

Na audiência de custódia também podem ser feitos encaminhamentos de natureza assistencial e de providências para a apuração de maus-tratos ou de tortura que possam ter sido cometidos durante a prisão.

 


Para mulheres presas em flagrante, a realização da audiência de custódia pode significar uma maior visibilidade de suas especificidades de gênero e vulnerabilidades. Segundo a pesquisa Tecer Justiça, realizada pelo ITTC e pela Pastoral Carcerária, antes da implementação das audiências de custódia, o primeiro contato de uma mulher presa com o juiz ou juíza se dava, em média, 136 dias após a prisão em flagrante; prazo superior a quase um mês em comparação com o enfrentado por homens na mesma situação (que aguardavam em média 109 dias).

No entanto, a realização das audiências de custódia, por si só, não garante a redução do encarceramento provisório. O ITTC entende que os atores do sistema de justiça criminal também devem ser capazes de ouvir as mulheres presas, compreender suas condições pessoais, as especificidades de gênero e a violação de direitos gerada pela permanência no cárcere.

As variáveis que influenciam a decisão pela prisão preventiva, pela liberdade provisória com ou sem medidas cautelares ou, ainda, pelo relaxamento da prisão em flagrante podem revelar se os obstáculos detectados anteriormente persistem no combate à prisão provisória e se há caminhos para sua superação. Essas variáveis serão exploradas nos textos seguintes da série “Mulheres Sem Prisão: Audiências de Custódia.

 

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jun 26, 2018 | Artigos, Noticias | 0 Comentários

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