O encontro fez parte da conferência internacional “Fronteiras raciais do genocídio e a política de drogas” e reuniu o sindicato de agentes penitenciários e participações internacionais em troca de experiências sobre o tema
A conferência internacional da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas (INNPD) aconteceu entre os dias 16 e 18 de novembro. Com o tema “Fronteiras raciais do genocídio e a política de drogas: Brasil, 130 anos de abolição inconclusa reatualizada na guerra às drogas”, o evento trouxe debates sobre a guerra às drogas com base em quatro eixos: segurança pública, política de drogas, encarceramento em massa e racismo.
Em uma das ações do evento, houve um encontro com o Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (Sifupesp), convidadas e convidados internacionais da conferência. O encontro promoveu o debate sobre os impactos da guerra às drogas no encarceramento em massa.
A programação contou com a presença de Fábio César Ferreira, presidente do Sifupesp, Marcio Marsella, ex-coordenador pedagógico da Fundação Casa, Neill Franklin, agente de segurança no Law Enforcement (aplicação da lei) da Polícia norte-americana, Andrea James, diretora executiva e fundadora do Famílias por Justiça como Cura, e Nathália Oliveira, coordenadora do INNDP.
Na abertura do evento, Nathalia falou sobre a importância de se criar cada vez mais espaços para fomentar esse tipo de debate. Visto que os impactos do encarceramento em massa ultrapassam a pessoa presa em muito aspectos, afetando também as relações de trabalho. “Dialogar esses temas é fundamental”, comenta Nathalia sobre o encontro.
Condições de trabalho
Fábio César trouxe uma apresentação com os desafios e vulnerabilidades do trabalho de agente penitenciário. Dados sobre o déficit de funcionários e funcionárias, formação e danos à saúde foram os principais pontos de sua fala.
Segundo Fábio, a superlotação dificulta o exercício das funções do cargo. Além disso, há o peso de ser um dos únicos intermediários entre a gestão pública e as pessoas presas. Segundo os dados da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), em janeiro deste ano eram cerca de 23 mil agentes penitenciários para uma população prisional de 224 mil pessoas presas no estado de São Paulo.
A formação de agentes também foi um dos pontos apresentados. Enquanto policiais possuem um curso de formação com duração de um ano, agentes penitenciários recebem um curso de apenas três meses, o que aumenta a precarização do trabalho.
Marcio Marsella trouxe um panorama dos impactos da Lei de Drogas em jovens que cumprem medidas socioeducativas na Fundação Casa. A ausência do Estado em locais como esse foi um dos pontos levantados por Marcio, que relatou condições de trabalho semelhantes às de agentes penitenciários de unidades prisionais.
Os impactos da ausência do Estado também se refletem nas jovens e nos jovens da Fundação Casa. Marcio trouxe a necessidade da criação de políticas para jovens egressos da Fundação, pois não há nenhum tipo de assistência quando eles saem dali. “O Estado precisa garantir que as leis funcionem e que as políticas sejam integradas, por exemplo, com o SUS”, afirmou Marcio.
Por fim, Marsella avaliou como negativas ações como a proposta de redução da maioridade penal. Atualmente, Marcio é pesquisador pela Universidade de São Paulo (USP) do tema “adolescentes em conflito com a lei” e critica o endurecimento da lei, principalmente quando relacionado à política de drogas. “O jovem usuário de crack vai, mandado pelo judiciário, para o socioeducativo, como se isso fosse resolver o problema.”
Guerra às drogas sob uma perspectiva internacional
Andrea James é advogada e trabalha há 30 anos em um órgão semelhante à nossa Defensoria Pública nos EUA. Atualmente, seu trabalho é desenvolvido com crianças e mulheres que já passaram pelo sistema prisional.
Inicialmente, ela ressaltou a importância de se ter uma discussão plural ao tratar de temas que perpassam o sistema prisional e a política de drogas. “Os EUA são o país que mais encarcera e usa a prisão como solução, mas não pensa em questões além da prisão, como pobreza e uso de drogas”, relata Andrea.
Para além da discussão plural, Andrea destaca a necessidade da escuta ativa das experiências e relatos das pessoas presas para transformar o sistema prisional. Ainda assim, para Andrea, o projeto existente de prisão não funciona e por isso ela luta pelo desencarceramento, em especial de mulheres.
Neill Franklin, em sua trajetória profissional na polícia, trabalhou em operações relacionadas às drogas nos EUA e atualmente é diretor executivo do Law Enforcement. Neill observou a mesma realidade apresentada por Andrea e concorda com os pontos apresentados pela advogada.
“São mais de 2 milhões de pessoas presas, a maioria delas negras e latinas, que sairão piores do que entraram porque nosso sistema judiciário e nossa polícia não enxergam que a repressão às drogas só piorou a violência. Por esse motivo eu mudei minha perspectiva. Por ter feito parte desse sistema, entendi pela experiência que ele não funciona, e agora luto contra ele. No Brasil, creio que essa realidade seja muito semelhante”, explica Neill Franklin.
O encontro proporcionou a troca de experiências e um panorama mais completo entre a realidade de guerra às drogas no Brasil e nos EUA. Como citado pelos participantes, eventos como esse abrem um debate plural sobre o tema e constroem um novo paradigma para o combate ao encarceramento.
Foto: Ana Navarrete/ITTC
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