Quarta edição do ConverSarau no Sesc 24 de Maio levantou a temática sobre racismo e o sistema de justiça.
Por Juliana Avila Gritti
Cêis já pararam pra ouvir alguma vez o sonho do menino?
É tudo coisa de centímetros
Um pirulito, um picolé, um pai, uma mãe, um chinelo que lhe caiba no pé
Um aviso
Quanto mais retinto o menino
Mais fácil de ser extinto.
Seus centímetros
Não suportam ‘nove milímetros’
Esses meninos
Sentem metros.
A poesia Menimelímetros, reproduzida aqui parcialmente, é de Luz Ribeiro, uma das criadoras do Slam das Minas e vencedora do Slam BR 2016, campeonato brasileiro de poesia falada. Luz foi a mediadora e interventora artística do quarto ConverSarau da campanha “Encarceramento em massa é justiça?”, no último dia 15 de agosto, que tratou de racismo e sistema de justiça.
A primeira convidada do debate foi Sheila de Carvalho, advogada e representante da sociedade civil no Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Tendo como gancho os 130 anos da abolição da escravatura no país, ela afirmou que as únicas medidas direcionadas às pessoas recém libertas e descendentes, de 1888 até a década de 1990, foram medidas penais. Durante todos esses anos, Sheila defendeu que elas foram vítimas constantes de violência institucional, privadas do acesso à saúde, educação e tantos outros direitos: “essas instituições apontam que o lugar do negro é o cárcere. E isso tem que mudar”.
Embora exista hoje uma série de políticas de inclusão, os mecanismos punitivos em relação à população negra não cessaram; na verdade, se tornam cada vez mais sofisticados. Os principais exemplos são as leis relacionadas ao uso e a comercialização de entorpecentes, em especial a Lei de Drogas de 2006. “Passaram-se cento e trinta anos e eu me pergunto até quando a gente vai aguentar isso”, finalizou a advogada.
Luz Ribeiro tomou a palavra outra vez e recitou um texto sobre o apagamento das figuras negras mortas, desaparecidas e injustamente encarceradas pelas mãos do Estado, como Marielle Franco, Amarildo e tantas outras. “Já fizemos muitos minutos de silêncio. Agora serão gerações, gerações e gerações de barulho”.
Dina Alves, coordenadora do Departamento de Justiça e Segurança Pública do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), fez questão de começar posicionando o seu lugar de fala: ex-empregada doméstica e babá, baiana, filha de uma merendeira e um agricultor. Retomou, em seguida, o poema de Luz, afirmando que as figuras mencionadas já caíram no esquecimento público, permanecendo apenas na “fala dos ativistas”. Relembrou também o caso de Luana Barbosa, uma mulher negra, periférica e lésbica espancada até a morte por três policiais militares em 2016. “A comunidade inteira é incriminada. E a prisão faz parte de um sistema de desumanização da população negra”.
A última fala foi de Claudia Patrícia de Luna, integrante da rede Feminista de Juristas (deFEMde) e atuante na defesa de mulheres vítimas de violência. A advogada contou que, quando começou a atuar em causas de direitos humanos, no fim da década de 1990, encarceramento em massa era uma “pauta maldita”, não só para a sociedade, mas também para ativistas da área, portanto, era bastante simbólico que o tema estivesse sendo discutido por tantas organizações, em um espaço aberto ao público no centro de São Paulo.
A quem importam essas vidas negras que não importam a ninguém?
– Claudia Patrícia de Luna
Claudia explicou que o Brasil foi formado a partir de “um projeto de poder que excluiu os negros”, tratados como mercadorias do tráfico de pessoas por séculos: “eles não eram sujeitos de direitos, mas objeto de direitos”. Após a abolição iniciou-se um processo higienista no país, de exclusão negra dos espaços de convivência, conhecimento e poder. “A quem importam essas vidas negras que não importam a ninguém?”, indagou a advogada.
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