A nova configuração da política brasileira, que surfa na popularidade do presidente Jair Bolsonaro (PSL), é marcada por uma retomada vigorosa de pautas conservadoras, muitas delas voltadas à lógica punitiva. O exemplo mais sintomático do primeiro mês do novo governo foi a flexibilização da posse de armas. A expectativa para os próximos meses é que entrem em votação projetos que estiveram congelados nos últimos anos, sendo uma das prioridades a redução da maioridade penal, por meio da PEC 33/12, parada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania desde 2017.
O ITTC, em razão da sua atuação no âmbito da justiça criminal, é contrário à redução da maioridade penal e entende que ela não seria efetiva para a diminuição dos índices de criminalidade, longe disso, se tornaria um mecanismo para reforçar a já existente criminalização de jovens negros e de baixa renda, além de agravar a superlotação nos presídios.
Diante deste cenário, compilamos cinco razões para se opor à proposta. Confira:
1. A pessoa menor de idade não está imune à responsabilização
Aqui se encontra a principal confusão sobre o assunto. Primeiramente, é importante ressaltar que, quando se refere a um delito praticado por menor de idade, o termo correto é ato infracionário. “Crimes” só podem ser cometidos, na perspectiva jurídica, por uma pessoa maior de dezoito anos.
Segundo as leis vigentes, a partir dos 12 anos a pessoa já dispõe de responsabilidade penal, ou seja, pode responder pelos seus atos. A diferença entre os tratamentos dados aos adolescentes e aos adultos se dá apenas nas formas de responsabilização, tendo em perspectiva a infância e a adolescência como um período crucial de formação individual e social. Em outras palavras, o argumento da impunidade não se sustenta.
Ainda, é importante apontar que o sistema socioeducativo é também bastante precarizado e violento, tendo sido alvo de críticas da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
2. Os crimes violentos representam uma parcela pequena dos delitos
O último levantamento do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), lançado em 2018 com dados referentes a 2016, demonstrou que, assim como no sistema adulto, a porcentagem de infrações análogas a crimes hediondos não é tão expressiva. Entre os 26.450 jovens presentes no sistema socioeducativo, 10% respondiam por homicídio, 3% por tentativa de homicídio e 2% latrocínio (roubo seguido de morte). Estupro, lesão corporal e ameaça de morte contabilizavam 1% cada. Os tipos de infração mais comuns são roubo (47%) e tráfico de drogas (22%).
3. Política penal mais dura não resulta em melhora nos índices de criminalidade
Não existe nenhum estudo de validade metodológica que estabeleça uma relação direta entre o recrudescimento das políticas penais e a diminuição da criminalidade. Isso significa que não há indícios de que incluir uma nova massa de pessoas no sistema carcerário traria qualquer benefício social. A redução da maioridade penal, neste contexto, se apresenta como uma proposta ilusionista e ineficaz para resolução de um problema social. O apoio massivo da população à instalação desta medida vem de uma preocupação legítima – o problema é que a solução oferecida não é eficiente. Inclusive, alguns países que endureceram as penas para menores de 2018 tiveram um aumento no número de delitos praticados por essa parcela da sociedade – como a Espanha, por exemplo.
4. O sistema penitenciário brasileiro já está superlotado e extremamente precarizado
Para além da discussão sobre modelos penais e o mérito do encarceramento, o sistema não tem capacidade para abrigar mais pessoas. De acordo com os dados do último levantamento nacional de informações penitenciárias, o Infopen, 89% das unidades prisionais se encontram superlotadas. A taxa de ocupação (número de pessoas presas por vagas disponíveis) se aproxima dos 200%.
Embora o sistema socioeducativo não seja marcado pela superlotação, há um excessivo uso da pena de internação, que deveria ser aplicada em situações excepcionais. Porém, assim como acontece no sistema comum, exceções viram regras, sobretudo quando se trata de delitos relacionados a drogas. A internação, da forma que é aplicada, inclusive, é associada ao aumento das taxas de reincidência entre menores de idade nos últimos 10 anos.
5. O sistema penitenciário não é eficaz no seu pressuposto de reinserir a pessoa na sociedade
O cárcere, que em teoria deveria ser um ambiente de passagem e preparação para reinserção da pessoa na sociedade, nunca funcionou a partir dessa premissa no Brasil. Ao contrário, a prisão é um instrumento de punição desproporcional voltado a uma parcela selecionada da população: pessoas negras e jovens de classes mais baixas.
Ainda, as condições das unidades prisionais são precárias em diversos âmbitos: superlotadas, insalubres, com serviços escassos de saúde e acesso limitado ou inexistente a atividades de educação, cultura e trabalho devidamente remunerado.
Dessa forma, o cárcere acaba selecionando sempre o mesmo recorte de pessoas, que também são afetadas pelas condições citadas acima, além de criar estigmas que as acompanham quando em liberdade, perpetuando, assim, a distância entre a sociedade, a qual deveria “reinserir” a pessoa egressa do sistema, e a realidade que lhe é apresentada a vida inteira.
Saiba mais:
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Nota técnica a respeito da Proposta de Emenda Constitucional nº 33/2012